A postos

O dia amanhece como qualquer outro. O sol nasce no horizonte, clareando as ruas e as casas. As pessoas indo para suas rotinas, voltando a fazer as coisas que estão acostumadas a fazer, exceto na casa de Camila.
 
- Bom dia. – diz para sua filha que desce as escadas, indo para a cozinha.
- Bom dia, mãe.
- Como passou a noite? A mocinha acordou?
- Eu nem vi, resolvi deixar ela dormir. – responde ao se sentar no balcão, esperando o café da manhã que sua mãe prepara. – O que vamos fazer com ela?
- Ela precisa de cuidados. Vou levá-la no centro, comprar umas roupas pra ela, a coitada tá com o mesmo trapinho que acharam ela.
- Mãe?
- Sim?
- É uma garota desaparecida. Não é uma bonequinha que a senhora vai cuidar um tempinho. Deve ter muita gente atrás dela.
- Eu sei. Só estou fazendo por ela o que eu queria que fizessem por você caso te achassem por aí.
- Eu gostaria de ir na delegacia se me encontrassem no meio do mato.
- Eu vou levar ela hoje. Mas, deixa eu tentar ajudar ela por dentro antes, tá bem? – pergunta pondo ovos mexidos no prato da filha, acompanhado de uma xícara de café. – Hum, será que ela é alérgica a alguma coisa?
 
O som da campainha ecoa pela casa antes que Lena responda.
 
- Quem pode ser a essa hora?
- Eu atendo. – diz Lena indo para a porta.
 
Ela se levanta e vai até a porta de casa. Quando abre, vê Rafael, uniformizado, segurando um livro grosso com as duas mãos.
 
- Bom dia. – diz ele, alegremente.
- Bom dia... Não tá cedo demais pra ir pra escola?
- Queria ver a moça. Achei uma coisa que ela pode gostar.
- O que? Entra.
 
Rafael mostra o livro ao entrar e continua:
 
- Ontem ela perguntou se achamos algum livro bom, voltei no lugar que a gente encontrou ela e achei esse.
- Pode até ajudar ela a recuperar a memória.
- Oi, Rafael. – diz Camilla, gentilmente.
- Olá, bom dia! Onde a moça tá? – pergunta voltando a Lena.
- No meu quarto. Vem, sobe.
- Quer tomar café com a gente?
- Não, obrigado. Eu já tô cheio.
 
Eles sobem, deixando Camila sozinha na cozinha. Ela vai até o fogão, passando pelo armário, onde há várias fotos de sua família, incluindo uma que a faz parar por um momento, pegando-a para ver com mais clareza, refletindo. A foto é dela, da sua filha e de seu marido, um homem alto, de pele morena e cabelos curtos, dando um ar de zeloso com a barba feita e braços definidos. Os três estão em uma serra, de costas para uma vista esplendida, todos sorrindo, com os braços abertos.
 
- É, Valter. Será que você realmente tem a ver com isso? – pergunta ao focar em seu marido.
 
Quando entram no quarto de Lena, veem que a moça ainda está deitada no colchão ao lado da cama dela. Aparentemente com o sono leve, pois no primeiro passo de Rafael dentro do quarto, ela abre os olhos.
 
- O-Oi... Como você está hoje?
- Estar bem. – fala um pouco confusa, olhando ao redor. – O que acontecer?
- Lembra de ontem a noite? – pergunta Lena, indo até próxima a ela, ficando de joelhos.
- ... Não. Lembrar de me achar, cuidar e trazer.
- Bom, eu sou Helena. Esse é o Rafael.
- Oi! – diz ele levantando a mão direita, acenando para ela, enquanto segura o livro com a mão esquerda.
 
Meio sem jeito, a moça repete o mesmo movimento que Rafael, retribuindo.
 
- Eu trouxe algo que pode te ajudar. Ontem você perguntou de um livro. Voltei onde te achamos e ele tava por lá. – diz ao entregar o livro para ela, que reage com um sorriso, se levantando.
- Obrigada!
- Se lembra dele?
- Lembrar. História. Não terminar.
- É... Você lembra de onde veio?
- O que?
- Seu jeito de falar. Não parece muito acostumada a falar português.
- ... Eu... Aprender.
- Vai ter tempo. Agora sabemos que no mínimo você deve ser gringa.
- Antes de qualquer coisa, precisa comer. Vamos? – pergunta Lena.
 
Alguns quarteirões longe dali...
Ricardo acorda com o seu pai abrindo a porta de seu quarto.
 
- Bom dia, filho. Vai se aprontar!
- Ai... – fala, ainda sonolento. – Tô indo.
- É... Filho, quando tomar banho, podemos conversar? Antes de ir pra escola.
 
Ricardo olha para o pai por cima dos lençóis na cama e pela a expressão preocupada, já sabe do que se trata. “Okay” diz ao se levantar e ir para o banheiro.
 
Na casa de Camila...
Todos se sentam na mesa e Lena termina o café que já estava posto à ela, enquanto a moça se serve apenas com suco e uma fatia de pão.
 
- Pode comer mais. – diz Camila, com a cabeça apoiada em sua mão, admirando-a. – Você parecia com fome ontem, mas já chegou aqui dormindo.
- Ah, é verdade. Ela não se lembra de muita coisa.
- Deve ter sido um trauma e tanto.
- Não lembrar. Apenas... Chuva e... Raio.
 
Camila se ergue e seu olhar fica distante, chuvas e raios não são boas lembranças. O relógio de pulso de Rafael começa a bipar, voltando não intencionalmente a atenção para ele.
 
- Desculpem... É minha hora de ir.
- Calma, vou com você. Vou só pegar minha mochila. – fala ao se levantar, correndo para as escadas.
- Onde ir? – pergunta a moça.
- Escola. – responde Rafael.
- Escola...?
- Isso. Vai ficar com a Dona Camila?
- Sim. Vou levá-la para comprar umas roupas. Fazer as coisas normalmente pode ajudar a memória dela a voltar.
- E depois levar ela a delegacia, né? – diz Lena, descendo as escadas com uma mochila com pelo menos o dobro de seu tamanho.
- Isso. – responde sua mãe, contrariada.
- Ótimo. Bom, estamos indo. Tchau, mãe... Tchau, moça.
- Tchau, Helena. – diz ao estender a mão, imitando novamente a ação de Rafael. – Tchau, Rafael.
- Até mais, moça.
 
Eles saem, deixando Camila sozinha com a garota, que volta seu olhar para ela.
 
- Então, vamos? – pergunta gentilmente. – Melhor tomar um banho antes. Vou separar umas roupas da Lena que você pode usar.
- Certo... – responde ao se levantar, esperando o mesmo de Camila, para segui-la.
 
Na casa de Ricardo...
Na mesa, os dois se sentam de frente um ao outro, servindo-se do café da  manhã.
 
- Então, filho. Alguns professores me ligaram, falaram dessa competição que vai ter. Deram muita importância pra isso...
- É, ajuda demais no nome da escola.
- Sim, me explicaram direitinho. Também disseram que você é o favorito deles para representar ela.
- ... Olha, pai. Eu já até sei onde vai dar...
- Matando as aulas, tirando a paz da escola, deixando de lado as aulas extras pra dormir... Ricardo, você não é assim. O que tem acontecido? Esse olho roxo, ainda não explicou, entrou em alguma briga?
- Nada. Isso nunca me impediu de tirar boas notas. E o olho roxo foi uma bolada na cara.
- É, mas assim, não fica fácil você ser escolhido para representar a escola.
- Nossa, que pena. – diz ironicamente, mas parece passar despercebido pelo seu pai.
- Espero que melhore seu comportamento, Ricardo. E estou falando sério, não irei tolerar mais reclamações da escola. Se ganhar esse campeonato, pode praticamente entrar na escola que quiser no ensino médio. Já parou pra pensar nisso?
- ... Tá bom, não vai se repetir.
 
No caminho da escola...
 
- Do que falava o livro que achou?
- É um romance. Clichê, não sei. Li bem por cima. Tinha anotações, acho que ela o usou pra aprender nossa língua.
- Por quê?
- Tinha palavras grifadas, expressões, sabe? E notei que ela se esforçou pra dizer uma das palavras destacadas. – diz ele ao relembrar quando a moça se despediu.
- Então, uma gringa sem memória?
- Mas o que uma gringa faria no sertão do Ceará!? Ainda mais naquele lugar totalmente monótono... – ele perde intensidade ao falar, lembrando da noite anterior.
- O que foi?
- Nada, só lembrei de uma coisa.
- O que?
- Deixa a gente ver o Rick. Falo pra vocês juntos.
- É importante assim? – questiona, já que em boa parte das vezes, ela sabe dos assuntos em primeira mão.
- Quero a opinião de vocês sobre algo.
 
Chegando na frente da escola, veem Ricardo escorado no poste, de forma relaxada, segurando a mochila só com um dos ombros, olhando distraidamente para o movimento da rua.
Quando ele nota seus amigos, volta a apoiar o corpo com os dois pés e vai de encontro com eles.
 
- E aí, o que deu com a moça? Ninguém me respondeu de ontem pra hoje.
- Ela dormiu lá em casa, ficou com a mãe. Dizendo ela que vai levar pra polícia.
- Ah... Eu – diz Rafael – Justamente isso que queria falar com vocês.
- Temos dez minutos antes da aula – diz Ricardo – Bora pra cantina.
 
Eles concordam, e passam pelo portão da escola, dando bom dia para o porteiro e indo para a cantina, pegando o caminho a esquerda, sem passar pelo corredor que leva as salas de aula.
 
- Ricardo e Helena – diz o coordenador, vindo do corredor que acabaram de evitar – Preciso alar com vocês.
- Agora? – pergunta Ricardo – Tipo, agora, agora?
- Sim.
- Ah, então depois nos falamos – diz Rafael, desanimado.
 
Lena olha para ele e sorri, gentilmente, e vai atrás de Ricardo.
O coordenador vai até a diretoria, onde a diretora Germânia espera, sentada atrás do birô, organizando alguns papeis.
 
- Obrigada, Alisson – diz e o coordenador só assente com a cabeça e sai da sala, fechando a porta.
- Aconteceu algo? – pergunta Lena – Seja o que for, a culpa é do Rick.
- O que!?
- Não, dessa vez não é sobre o senhor Portela.
- E o que houve?
- Ah, vejam isso – diz ela ao dar a eles um dos papeis que estão em cima da mesa.
- O que é isso? – pergunta Ricardo, enquanto Lena lê antes dele.
- Um e-mail que recebemos dos nossos superiores.
- Vão diminuir a verba cultural – fala Lena, entregando o papel para Ricardo.
- Isso. Significa que os eventos que irão participar serão com metade dos recursos necessários.
- E para não correr riscos... Vão unir as duas competições – diz Ricardo, dobrando o papel.
- Isso. Teve uma reunião, foi a melhor decisão para não afetar as competições. Será anunciada hoje, mas como vocês são nossos protagonistas, achei melhor avisá-los com antecedência, pois terá algumas mudanças mais significativas.
- Quais? – pergunta Lena.
- Bom, como terá menos tempo para ambos terem o preparo esperado. Para não prejudicar e evitar sobrecarga da parte intelectual da olimpíada, Ricardo, caso queira representar a escola, terá que ter uma pequena equipe de dois ou três participantes.
- Como assim?
- Bom, agora terá uma regra que impede que um único aluno cumpra as tarefas sozinho. Viram que por a antecipação, seria injusto para as demais escolas.
- Entendi – diz Ricardo – Não parece tão ruim.
- Então, quando tiver os nomes, me repasse que envio para a inscrição.
- Eu até já tenho...
 
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Rafael, sentado em uma das cadeiras do refeitório, começa a batucar a mesa, com a esperança de que isso faça o tempo passar mais rápido.
 
- Xadrez? – pergunta Raquel, pondo um tabuleiro preto e branco em cima da mesa.
- Ah... Oi... – fala voltando o olhar para ela – Tá diferente.
- Você achou? Esqueci a tiara hoje e... Me rendi a franja.
 
De fato, a garota está diferente desde do último encontro deles, pois agora seu cabelo vermelho cobre seus olhos quase que completamente.
 
- Ficou bonita.
- Então... Xadrez? Prometeu me ensinar.
- Eu não sei muito.
- Só uma partida, pelo visto quer que o tempo passe logo.
- Tá – diz rindo – Vamos, então. Já decorou onde fica cada peça?
- Sim, sim... É, vamos ver... – fala ela começando a montar o tabuleiro – Torre, bispo, cavalo, rei, rainha e repete...?
- Quase. Na verdade é: Torre, cavalo e bispo.
- Certo – fala fazendo a correção – E todos os peões na frente.
- Okay, você começa.
 
Raquel move suas peças e olha para Rafael, que parece analisar seus movimentos.
 
- Então, o que deu ontem? Pegaram aquela chuva mesmo?
- Sim, a gente se molhou um bocado até – diz entre os movimentos – Sorte que o Rick tava com o carro do pai... Irresponsável desse.
- Acho tão legal que vocês topam tudo com ele. Eu morreria de medo.
- Ah, mas a gente tem medo sim – diz com um sorriso – Negócio que ele faz dar certo, sabe?
- Sei. Inclusive, cadê eles?
- Foram chamados na diretoria. Deve ser algo relacionado aos campeonatos chegando. Tá nervosa? Vai representar a escola, né?
- Eu e o time da Lena. E sim, muito nervosa e... Poxa!
 
Raquel olha o tabuleiro novamente e ver que já está em xeque.
 
- C-Como!? Começamos agora!
- Só basta alguns movimentos certos e principalmente: atenção! – fala ao pegar o rei dela quando seu cavalo o derruba.
- Eu ainda vou vencer você.
 
O sinal toca, simbolizando o início das aulas e ela começa a guardar as peças em uma caixinha preta que logo guarda em sua mochila, pondo logo depois o tabuleiro de madeira, que se dobra ao meio, economizando espaço.
 
- Vamos? – pergunta botando a mochila nas costas, esperando-o se levantar – Rafa? Tudo bem?
- ... Eu não sei.
- O que foi?
- Sabe, eu queria ter destaque em algo na escola. Que me vissem como Rafael, não só como amigo do Rick e da Lena. Não me incomoda, são ótimos amigos... Mas, poxa, queria que pelo menos soubessem me nome.
- De onde você tirou isso?
- ... Bobagem. Vamos, se não vai se atrasar pra aula. – fala ao se levantar e ir na frente, saindo do refeitório.
 
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No caminho para o shopping, Camilla olha para a moça sentada no banco ao seu lado, olhando a vista pela janela do carro, com uma expressão única em seu rosto: curiosa, mas com uma serenidade que parece... Triste. Para quebrar o silêncio, pergunta:
 
- Bom, não lembrou o seu nome?
- Não! Ainda não conseguir lembrar.
- Precisamos chamar você por algum nome. Tem algum que goste?
 
A moça olha para o livro que está em cima de suas pernas e aperta as mãos, nervosa.
 
- Cristal.
- Oi?
- Eu poder me chamar Cristal?
- Cristal... É, gostei. É um nome muito bonito.
 
Camilla sorrir ao ver que a moça, ou melhor, a Cristal se conectou um pouco mais com ela.
Ela desce para o estacionamento subterrâneo e elas saem do carro, indo para o elevador.
 
- Onde estar? – pergunta Cristal.
- Shopping. Você... Sabe o que é?
- Não.
- Bom, é um grande lugar com várias lojas dentro.
- Feira?
- É, tipo isso. – diz rindo.
 
Elas entram no elevador e Camilla aperta para ir para o primeiro andar. Cristal se olha no espelho e passa a mão em seus cabelos, sem soltar o livro.
 
- E o que fazer aqui?
- Vamos comprar umas roupas novas para você. O que acha?
- Achar bom. – responde com um sorriso.
- Vai ser ótimo e posso te mostrar todas as lojas daqui.
 
A porta do elevador se abre e animada, Camilla começa a ir para a loja de roupas mais próxima para começar seu passeio com Cristal, que a segue um pouco confusa.
 
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- Não acredito que você tá me pedindo isso! – fala Rafael, incrédulo, cochichando.
- Não sou eu... É a escola – diz Ricardo, devolvendo o mesmo tom de voz – Tá, sou eu. Mas, poxa, Rafa. Já te botei em alguma furada antes?
 
Rafael olha para seu amigo rapidamente e levanta a sobrancelha ironicamente. Dividindo a mesa como sempre, estão na aula da professora Lívia, biologia, então os cochichos estão justificados.
 
- Tá, não responda. Mas, sério, não confiaria em mais ninguém para ser do meu time.
- E o que eu posso fazer? Não sou tão bom quanto você nas coisas e nem tão inteligente.
- Quando sair o edital com as tarefas, a gente estuda juntos. Te ensino tudo que sei e qual é, Rafa, sei que é inteligente, sempre aprendeu as coisas rápido.
- ... Tá. Eu vou com você. Quem mais vai chamar pro time?
- Ninguém. Só eu e você. Damos conta, o que acha?
- Tem certeza?
- Absoluta.
 
Com isso, batem as mãos em um toque fechado, o famoso soco deles, que ao baterem, fazem um som de explosão, que mesmo pequeno, foi o suficiente para Lívia voltar a atenção para eles.
 
- Já que os dois estão tão confiantes para não prestarem atenção, podem explicar o assunto por favor?
- Foi mal, tia. Vamos parar – diz Ricardo com um sorriso.
- Não, não... Podem explicar.
 
Rafael olha para a lousa e vê que o assunto é sobre animais que tem bioluminescência e resolve tentar explicar.
 
- É... Bioluminescência é a produção de luz por organismos vivos. Ocorre com frequência em vertebrados e invertebrados marinhos, mas também em fungos e insetos, como os vaga-lumes...
 
Tanto o restante da sala como Ricardo ficam de boca aberta, já que aparentemente ele acertou no que falou. Livia apenas sorri e continua:
 
- É, uma boa definição. Rasa, mas ainda sim, parabéns, mas preste atenção.
- É, tia...?
- Sim?
- Isso pode acontecer com flores?
- Como assim?
- Flores também brilham no escuro?
- Sim, pode acontecer. Algumas flores podem acabar brilhando no escuro por terem fosforescência, que basicamente é quando ela, a flor, acumula energia e libera em forma de um brilho.
- E elas são raras ou tem por aqui?
- Pode ser que sejam raras. Mas, não impossíveis, mas nunca vi por a cidade. Como estava dizendo, essa habilidade é comum em animais, já que é resultado de adaptação ao meio que vivem.
- Entendi...
- Mais alguma dúvida?
- Não, desculpe atrapalhar.
- Não, incomodo nenhum... Mas, agora os dois, atenção aqui, okay? – pergunta retoricamente ao bater o pincel no quadro branco.
 
A aula continua e Ricardo escreve em seu caderno para que Rafael veja. “Que papo foi esse?” e como resposta, é escrito: “Quando achei a moça... Ela tava cercado por flores. E essas flores tavam brilhando no escuro”.
Ricardo olha com estranheza e fica pensativo no que acabara de ler.
 
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Depois de andarem por alguns minutos, Camilla, seguida por Cristal e uma atendente, enche seu carrinho com várias roupas que ela julga que pode servir na moça.
 
- Olhe, nenhuma dessas te agrada? – pergunta ao mostrar alguns vestidos para ela.
- Bonitos – responde sem jeito – Não precisar incomodar comigo.
- Ora, não é incomodo nenhum – diz ao pôr as roupas no carrinho – Então, qual você acha que combina com ela? – pergunta a atendente.
- Chegou umas roupas que tenho certeza que ela vai amar. Se a senhora quiser, pode ir para o vestiário experimentar essas que a senhora separou que eu levo para vocês.
- Por mim tudo bem. Vou te esperar lá, tá bom?
 
A atendente sorri como resposta e sai de perto delas. Camilla chama Cristal para o vestiário, que fica no final da loja, próximos aos caixas. Ao entrarem, ficam perto de uma mesinha de madeira, direcionada ao provador de número três.
 
- Pega, experimenta esse – fala ao dá um vestido azul para Cristal, que entra no provador e fecha a porta.
 
Cristal fica de frente ao espelho, sem jeito, então começa a se trocar. Fora do provador, Camilla se senta próxima as roupas que a atendente trás e fica aguardando, animada.
 
- Sua filha?
- Ah, não... É amiga da minha filha, ela mora fora e... Trouxe ela para dar uma volta.
- Entendo, parece ser uma graça. Desconfiei que não era daqui, tem um jeitinho de falar diferente, né?
- Isso... Ela é... Am, Russa!
- Russa!?
- Isso... Russa.
- Nova Russas do Ceará ou Russa de Rússia mesmo?
- ... Rússia. O pai é de lá, a mãe é daqui... Uma confusão.
- Gente...
 
Camilla é salva quando Cristal sai do provador, usando uma das combinações que lhe deram, olha no espelho e volta a olhar para Camilla.
 
- O que achar?
- Tá muito linda, eu amei... Mas, que tal trocar essa calça por essa saia – diz ao ver que os pés de Cristal ficaram totalmente cobertos – acho que pode tropeçar assim – fala sorrindo.
- Okay – diz ela entrando novamente no provador, com a saia que Camilla lhe deu.
 
Quando fecha a porta e se olha no espelho, Cristal nota que a parte azul de seu cabelo começa a brilhar, deixando-a assustada e apressando-se para sair daquele lugar.
Veste a saia com pressa e sai, olhando ao redor, assustada.
 
- O que aconteceu, tá tudo bem? – pergunta Camilla – Nossa, você está linda.
 
Cristal se acalma um pouco e olha para o espelho, sorrindo, vendo-se e acreditando no elogio que acabara de ouvir.
As luzes do lugar se apagam, e rapidamente, Cristal puxa Camilla para saírem daquele lugar.
 
- Sair. Precisar sair.
 
Saindo da parte das lojas dos provadores, notam que todo o Shopping está sem energia.
 
- Foi só um apagão, não tem com o que se preocupar – diz Camilla a fim de acalmá-la.
- Não ser apenas isso.
- E o que pode ser—
 
Antes que diga mais alguma coisa, ouvem algo sendo jogado para dentro da loja, quebrando a vidraça da entrada e derrubando tudo que estava no caminho, mas nem Cristal nem Camilla são pegas, pois estão... Fora da loja.
Quando abre os olhos nota que nem se quer está entre as roupas como antes, e sim, na praça de alimentação, do outro lado do shopping, onde as pessoas correm desesperadas depois do que ouviram.
 
- O-O que aconteceu!? – pergunta Camilla.
- Segura?
- Oi?
- Você estar segura?
- S-Sim... Onde a gente tá? Como que...? Seu cabelo...
 
Ela olha com mais calma para Cristal, e nota que as partes azuis continuam com um brilho fluorescente, que se destaca com toda a escuridão repentina do lugar.
 
- Cristal?
- Prometer explicar depois.
 
Camilla se senta no chão, perplexa. No meio de toda a correria, vê duas figuras paradas, olhando para elas. Uma delas, grande, forte e impotente com toda aquela correria. A outra, menor, fica atrás, parada, como se coordenasse toda a ação.
 
- Ficar atrás de mim – diz Cristal, confiante.
 
Camilla obedece, se arrastando para trás da garota, que sem exaltar estica os braços e suas mãos começam a brilhar da mesma cor que seus cabelos. Gira suas mãos formando uma circunferência no ar e diz: “xlacrofrvrocr” e as mesas e cadeiras começam a levitar e se contorcem, virando algo semelhante a correntes e vão até as duas figuras, que desviam e dizendo algo na mesma língua que Cristal acabara de falar e uma rajada de fogo vai em sua direção, que girando os braços novamente diz: “Orclivlar” e uma barreira aparentemente mágica cobre as duas.
Jogando os cotovelos e mãos para cima, a barreira vai até eles, e girando seu corpo junto as suas mãos em um movimento dançante, fala: “Blafrvro” com veemência e quando a barreira os atinge, uma nova circunferência brilhante é formada ao redor deles, com símbolos do zodíaco, e em um piscar de olhos, eles somem.
Então, flores fluorescentes caem suavemente até elas e a energia de todo o lugar volta. Cristal pega uma das flores e quando olha para Camilla, vê a expressão de perplexidade em cada centímetro de seu rosto.
 
- Ter muita coisa para explicar – fala com um sorriso sem jeito.
- “Muita” chega a ser um eufemismo.
 
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Na escola, Rafael e Ricardo se reúnem na diretoria, para firmarem seu time... Time esse com somente duas pessoas.
 
- Ricardo, tem certeza? – pergunta o diretor – Digo, só vocês dois.
- Damos conta. E, não conseguiria trabalhar junto com mais ninguém.
 
O diretor olha para Rafael e ele sente que o “Tem certeza?” não foi se referindo ao número de pessoas no time... E sim, quem ele pôs no time.
Ao sair, Tiago chama Rafael para conversar a sós, seguindo o corredor.
 
- Então, é verdade?
- Sim, sim.
- Estou feliz por você, garoto.
- Obrigado, professor.
- Vou torcer por você. Não deixe que esses julgamentos te desanimem. Sei da sua capacidade. As dores pararam?
- Na verdade, senti uma pontada a alguns minutos, mas logo passou.
- Entendi... Depois me procure, está bem?
- Aconteceu algo?
- Não, bom, ainda não.
 
Ricardo aparece atrás de Rafael batendo em seu ombro, chamando-o para irem para casa.
 
- Tô indo, tchau profess—
 
Olhando para onde Tiago deveria estar, não ver mais nada.
 
- Tava falando com quem?
- O professor Tiago.
- Sério? Não vi ele. Bom, vamos pra casa, só tem a gente na escola toda. Nossos estudos começam amanhã mesmo, em?
- Pelo visto estão no mesmo time – diz Lena, aparecendo atrás dos dois.
- Sim, só precisa de nós dois pra representar a escola.
- Boa sorte, pros dois.
- Sua mãe vem te buscar hoje?
- Não sei dizer, não avisei a ela que não tinha treino hoje.
- Se ela não vier, vamos juntos, o que acha?
- Não entro mais naquele carro com você!
- Relaxa, vim a pé hoje. Sem carro, prometo.
 
Ao saírem da escola, veem o carro de Camilla logo a frente.
 
- Parece que ela adivinhou – diz Lena – Bom, vou indo. Querem carona?
- Não, obrigado – responde Rafael.
- Valeu o convite – responde Ricardo.
- Na verdade, acho melhor os dois aceitarem a carona – diz Camilla, atrás deles.
- Qual, é!? – indaga Ricardo, assustado – Todo mundo tá de fininho, hoje?
- O assunto é sério, meninos. Preciso falar com vocês.
- O que aconteceu? – pergunta Rafael.
- É sobre a Cristal.
- Quem? – pergunta Ricardo.
- A garota que acharam ontem.
- Levou ela para a delegacia? Alguém foi atrás dela?
- Bom... Não posso negar que alguém realmente foi atrás dela. Mas, vamos, entrem no carro. Em casa eu explico.
 
Mesmo sem entenderem, obedecem. Quando entram no carro, notam a moça no banco da frente, um pouco sem jeito.
 
- Oi...? – diz Lena, sem entender muito bem.
- Ter coisa para contar a vocês.
 
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- Ela sabe o que faz – diz um homem de pele pálida e olhos claros, banhando-se no lago, querendo tirar algo de seus cabelos longos e negros – Nos jogou para o outro lado da cidade.
 
Algo no fundo do lado apenas grunhe, irritado.
 
- Não precisa ficar com raiva. Nunca lidamos com esse tipo de classe. Próxima vez ela não terá tanta sorte... Vossa senhoria, ela poderia ter nos jogado qualquer coisa, mas logo gordura de comida humana, é tão nojenta.
 
Algo sai de dentro do lado, pesado o suficiente para fazer a terra ao redor tremer. Bufa e diz com uma voz grave: “Próxima vez eu não serei tão paciente!”