Lucas | Capítulo I - Medos

O que fazemos quando nossa vida muda do dia para a noite? Quando percebemos que não temos mais um sentido certo para seguir... Ou prosseguir. Nesses momentos que devemos ter o apoio de todos ao nosso redor, mas nem sempre temos essas pessoas. Por isso, é sempre bom ter nós mesmos. A história que lhes vou contar é sobre isso... Ou quase...
Fernando dirige feito louco, indo entre os carros para chegar a tempo ao seu destino por conta de uma emergência: Seus tios haviam falecido na noite anterior e seu primo estava na delegacia, pois não tem nenhum parente próximo que possa ajudar... Bom, até tem, mas está ocupado cuidando de outros assuntos.

- Alô. - diz ele atendendo o telefone.
- Senhor, o seu primo já está aqui. - diz uma mulher no outro lado da linha.
- Estou sabendo disso. 

Ele desvia de uma moto e grita pela janela:

- OLHA PRA FRENTE MALUCO... Estou a caminho. - diz desligando o telefone.

Pegando um atalho, entra em uma contra mão e chega em minutos, com o seu GPS dizendo que chegou em seu destino. Desce do carro rapidamente, arrumando sua gravata e voltando ao veículo por conta de ter esquecido a maleta. Ao entrar, ver o jovem... Quieto, com um sorriso de canto de boca, indicando que está bem.

- E aí, Lucas. - diz Fernando, indo até ele. - Como você tá, cara?
- Bem... Você veio pra me buscar?
- Sim, vou... - solta um suspiro e continua. - Eu vou resolver isso.

Uma mulher chama Fernando para dentro da sala e ele diz:

- Volto logo.
- Sem pressa. - responde Lucas, calmamente.

Quando entra na sala, ver várias pessoas ao redor de uma mesa. Policiais, médicos, advogados e o Juiz.

- Senhores. - diz ele, se sentando na mesa.
- Creio que já esteja ciente do ocorrido. - diz um dos policiais.
- Pra falar a verdade, não. Descobri a poucos minutos.
- Os pais do rapaz foram achados sem vida na estrada para o caminho de São Paulo. - diz um dos médicos dando uma pasta para Fernando, que olha as fotos enquanto ouve a explicação. - Sem marcas de agressão, acidente ou qualquer tipo de ferimento.

Nas fotos, é mostrado dois corpos magros, pálidos e com a pele dissecada. Deixando Fernando horrorizado com o que ver.

- Analisamos se foram engeridos ou injetados algum tipo de droga ou medicamente, mas todos os exames levaram que eles estavam limpos. - continua outro homem que estava na sala. - É um mistério como foram parar lá e como chegaram a falecer.
- A investigação irá continuar mas-
- Não fui pelo CSI que eu vim aqui. - diz Fernando fechando a pasta. - O que pretendem fazer com o filho deles?
- Como ainda é menor de idade, irá para um orfanato. - diz o Juiz.
- Não. - diz ele. - Não vai. Eu ficarei com ele, sou parte da família dele.
- E o senhor tem estrutura para cuidar de outra pessoa? Até onde eu sei, você acabou de se formar. Está no início da carreira.
- Eu posso resolver isso.
- Senhor Fernando, vamos encarar a verdade. Você já é conhecido por ser irresponsável ao ponto de já ter tido problemas com a policia. - diz o Juiz. - Eu respeito muito a carreira de seu pai, um grande advogado. Mas-
- Mas, não é ele que está aqui. Sou eu. - diz Fernando.

Se levantando diz: "Amanhã venho pegar a papelada", saindo e deixando-os sem entender muito bem o que acaba de acontecer. Saindo da sala, chama Lucas para o carro.

- Mas e as minhas coisas? - pergunta ele.
- Compramos novas.
- Certo.

O Juiz sai da sala e diz:

- Fernando, você pode se arrepender disso.
- Meritíssimo, eu ouço o senhor somente quando você tá com um martelinho na mão... Até lá... Boa sorte. - diz ele andando até o carro, com um sorriso irônico.

No caminho para casa, Fernando para o rosto de Lucas, que está calmo, olhando a paisagem.

- Bom... Lembra da Anne? - pergunta ele.
- Sim.
- Vamos ficar com ele e os outros.
- Eu posso fazer uma pergunta?
- Pode.
- O Raphael é meu parente meu próximo. Eu não deveria ficar com ele?
- Sim, mas... Ele tá resolvendo outros assuntos.
- Entendi.

Eles permanecem em silêncio até chegarem na casa.

- Bom, vamos descer, né?

Lucas fica em silêncio e abre a porta de carro. Quando entra em casa, alguém corre para abraçá-lo.

- AI MEU DEUS. Que saudade. - diz Anne.
- Eu também... - diz ele, quase sem ar. - Você aperta muito.
- Desculpa.

Ela solta e André o abraça mais leve. Quando solta, ver Daiana encostada na porta, acenando com um sorriso de canto de boca, com seu olhar sério e firme.

- A quanto tempo. - diz André.
- É, faz um tempão. - responde Lucas. - Quase não reconheci vocês.

Anne olha confusa para ele e encara Daiane, que corresponde o olhar.

- Muito tempo, quanto? - pergunta elas.
- Não sei... Uns 5 anos.
- Okay... Você... Pode ficar no quarto de cima. - diz Anne. - Terceiro a direita.
- Toma um banho, vai te fazer bem. - diz Fernando.

Ele sobe e os outros se sentam no sofá, com um suspiro. Fernando afrouxa a gravata e Anne ajuda a tirar.

- Viu, ainda bem que não vendemos a casa. - diz André.
- Viemos assim que soubemos. - diz Anne.
- O que vamos fazer? - pergunta Daiane. - Cuidar dele?
- Ela saberia o que fazer. - diz Fernando.
- A Ruivinha faz falta. - diz Anne. - Mas, ninguém achou estranho quando ele disse que não lembrava da gente?
- Depois do acidente, as memórias devem ter se fechado. - diz Daiana. - Já que foi um trauma muito forte, o cérebro deve ter usado isso como um sistema de defesa.
- E como podemos ajudar? - pergunta André.
- Eu não sei...
- Já está a noite, gente. - diz Fernando. - Vamos descansar e fazer algo para ele comer.
- Certo, logo logo. - diz André encostando-se no seu ombro.

No quarto, Lucas ver que tem algumas roupas que serviam nele. Toma um banho e as veste. Seco e confortável, porém, vazio. Pois, não sentia o peso da perca, apenas uma pequena tristeza... Sem saber o que realmente estava sentindo. Pega seu celular com os fones, se deita na cama e com receio, põe a música no volume total, fechando os olhos lentamente como se estivesse se afogando. Quando sua visão fica turva, sua respiração acelera e começa a sentir como se algo o puxasse para o fundo. Rapidamente, se levanta, procurando fôlego, jogando os fones para longe mas acaba caindo da cama junto. "Hoje não" diz pra si mesmo, ofegante.

Na manhã seguinte...
Lucas acorda com uma dor de cabeça... E no corpo, pois acabou dormindo no chão. Ele desce as escadas e ver seus amigos dormindo no sofá, apoiados uns nos outros. Sorri e decide fazer o café da manhã, para agradecer a hospitalidade. Entrando na cozinha, ver o que tem para preparar, mas como haviam chegado no dia anterior, não acha nada para preparar. Fechando a porta do armário, ouve:

- Não achei nada também. - diz Daiana.

Ele bate a porta com força por conta do susto, mas no último segundo, ela segura para não acordar os outros com o barulho.

- Calma. - diz ela com uma risada. - Quer ir na padaria?
- Claro.

Eles deixam os outros dormindo e saem. Por conta de Daiana e o restante serem mais velhos que Lucas, que só tem 17, enquanto eles tem 22 para 25 anos. Mesmo ele vendo-os como amigos, eles o tratavam como filho. Principalmente, Daiana, que sempre se preocupou e cuidou do seu bem estar, físico e mental.

- Bom, logo será o velório de seus pais.
- Eu sei.
- Sabe, você não parece triste. Parece mais...
- Aliviado?
- Isso.
- Minha mãe era uma mentirosa, meu pai uma pessoa extremamente temperamental, nunca me senti parte da família no caso. Não estou reclamando do modo que me criaram, foram ótimos pais... Só, não posso sentir dor de perder eles se nunca os tive.

Daiana permanece calada e ver que existe algo fragmentado em Lucas, como se estivesse quebrado por dentro, mas não demonstrasse por fora.

Na casa, todos acordam e notam que Daiana e Lucas não estavam, logo presumiram que haviam saídos juntos. Se levantam e se arrumam para o velório.

- Fernando. - diz André. - O que causou a morte dos pais dele?
- Isso que eu queria falar com vocês.

Pegando sua pasta, tira as fotos que tinha pego no dia anterior.

- Veem?
- Isso... Parece com o Csôdse. - diz Anne.
- Ele arranjou outro hospedeiro? - pergunta André.
- Pelo visto sim. Por isso precisamos levar o Lucas para um lugar seguro. Acho que ele está atrás dele.
- O que vamos fazer? - pergunta Anne.
- Temos que protegê-lo. Não importa o que aconteça. - diz Fernando.
- Vamos levá-lo para a grande casa. - diz Anne.
- O que!? - indagam.
- É um lugar bom, o avô de vocês é de lá. - diz olhando para Fernando. - Nossos mestres também e-
- E foi lá que ele conheceu a Rackel. - diz André. - Ele tá superando um luto, não é bem assim.
- Minha irmã já se foi a muito tempo. Lá é uma boa lembrança, ele pode se lembrar do porque continuar em frente. Além de ser um lugar seguro. - diz Anne.
- Certo, vamos esperar a Daiana para saber se ela tá de acordo. - diz Fernando.
- Tá, mas e se as memórias dele voltarem? - pergunta André.
- Vou falar com minha mestra. Ela pode dá um jeito de prender essas memórias.
- Não seria melhor deixarmos ele saber? - pergunta Fernando. - Isso não é uma decisão nossa.

Nesse momento, Daiana e Lucas chegam. Fernando derruba as fotos rapidamente e todos mudam de assunto.

- É... Lucas, não vai se arrumar? - pergunta Anne.
- Vou sim. - diz ele botando as sacolas por cima da mesa.

Ele sobe as escadas e Anne diz:

- Deixei uma roupa no seu guarda-roupa.
- Deixou ou fez? - brinca ele.
- Ambos. - responde ela soltando uma risada.

Quando ele sobe, Daiana ver as fotos em baixo da mesa e as pega.

- Ele voltou? - diz olhando as fotos.
- Pelo visto sim. - responde Fernando.
- Anne sugeriu levarmos ele para a grande casa. - diz André.
- Boa ideia.
- Sério? - perguntam todos, inclusive Anne.
- Sim. Segurança e um lugar que ele irá se sentir bem. Enfim, arrumem-se. Vamos sair logo.

Ela olha para a escada e sente que Lucas ficou ouvindo a conversa. Quando todos saem, ela diz:

- Vai se atrasar.
- Para onde vão me levar?
- Não se preocupe, minha criança. Estaremos com você.

Ela ouve os passos dele indo para o quarto e se arruma também. Depois de vestir seu vestido, olha-se no espelho para arrumar os detalhes.

- Tá bonita. - diz André, apoiando-se na porta do seu quarto.
- Obrigada. Você também.
- Me ajuda na gravata?
- Claro.

Andando até ela, nota uma expressão séria em seu rosto.

- O que aconteceu?
- O Lucas é nossa responsabilidade agora... E se o Csôdse realmente voltou... Teremos que voltar também.
- Isso vai se resolver.
- Espero que sim.

Ela termina o nó da gravata e beija André. Seguido de um sorriso.
Depois de meia hora, todos arrumados, comem o que Daiana e Lucas haviam comprados e saem para o velório. Ao saírem na porta, veem uma limousine.

- Okay... O que? - pergunta Fernando.
- Liguei para meu tio. Ele cobriu toda a cerimônia. - diz Anne.
- Maneiro. - diz André.

Daiana dá uma cotovelada em seu tórax e ele corrige.

- Que pena.

Todos entram e o veículo os leva para o cemitério, onde estavam os corpos dos seus pais. Por conta dos corpos estarem muito deteriorados, os caixões estão fechados. Lucas vai até seus pais, deixa uma flor em cada caixão, mas algo acontece. Uma rápida visão deles, como um flashback. Ver uma luz branca, forte, em um lugar que parecia um campo de futebol, acompanhado por seus amigos, ouve apenas eles o chamando. Não entende muita coisa, mas permanece calado, sem demonstrar alguma reação.
Logo aparece homens que levantam o caixão e botam para serem enterrados. Lucas fica próximos de seus amigos e nota que apareceram vários parentes, todos tristes, o que o força a fingir tristeza. O tempo se fecha e começa a chover, as pessoas vão saindo aos poucos. Ficando apenas eles. Anne e Fernando abrem seus guardas-chuvas e cobrem o restante.

- Vamos?
- Vamos.

Eles saem e entram na limousine, que os deixam na casa deles. Entram e logo vão para a mesa.

- Lucas. - diz Fernando. - A gente quer te falar uma coisa.
- Vão me levar pra casa do nosso avô?
- Garoto rápido. - diz André.
- É, basicamente isso.
- Certo, vou arrumar minhas coisas.
- Já fizemos isso, as malas estão no carro. - diz Anne.
- Vocês me dão medo.
- ... Por favor, não tenha isso. - diz André, assustado.
- Saímos amanhã de manhã. - diz Fernando.

Desce uma lágrima no rosto de Lucas e ele se senta junto a eles.

- O que eu sou?
- Por que essa pergunta? - diz Anne.
- Eu tenho uma coisa para dizer para vocês.

Ele abre a mão e uma pequena faísca se forma em seus dedos.

- Eu sei que estão me escondendo algo. Por favor, sem mentiras.