Lucas | Capítulo II - União

- É o seguinte. - diz Fernando. - Cada pessoa tem um elemento interior. Tipo o animal interior. Quando a pessoa tem domínio total do seu corpo e mente, fazendo-os ser uma só, essa pessoa consegue controlar esse "elemento". Assim, cada um desenvolve o seu Donum.
- O que? - indaga Lucas.
- Donum. - diz Daiana. - A partir do seu elemento, seu corpo é ligado a uma catástrofe natural. Por exemplo, o meu é água. Meu Donum é o Tsunami.
- Meu elemento é fogo e o meu Donum é a Erupção Vulcânica. - diz André.
- O meu é terra. - diz Fernando. - E acabei sendo o Terremoto.
- E o meu é ar. - diz Anne. - Sou Ciclone.
- Então... - diz Lucas.
- Não. - interrompe ele. - Você não pode cuspir fogo. - diz Fernando.
- Você, assim como seu avô. - diz Anne. - Não tem um elemento interior como os outros, mas sim, uma junção de todos eles.
- O que isso significa? - pergunta Lucas.
- Por cada um ter um tipo de elemento. - diz Daiana. - Podemos ter um tipo específico de treinamento, o meu por exemplo, é água. Então, posso treinar somente o estilo água. Não poderia treinar o mesmo que o André, que é fogo.
- E qual é o meu Domun?
- Donum. - corrige Daiana. - Isso você só vai saber quando treinar... E quando estiver pronto. Mas, já que saiu faíscas de sua mão, deve ser algo relacionado a tempestades.

Lucas olha a paisagem pela janela do carro, pois já estavam no caminho para a casa de seu avô. Com Fernando dirigindo e Anne ao seu lado, Lucas fica entre André e Daiana, que tentam o confortar durante a viagem.

- Então, vou ter que treinar pra controlar essas faíscas da minha mão? - pergunta Lucas.
- Só se preferir. Mas, podemos dá um jeito nisso. - diz Anne.
- Como?
- A tia Alexia pode me ajudar neutralizar seu elemento. - diz Daiana.
- Então eu volto a ser normal
- Sim. Bom, teoricamente.
- Okay.

O caminho segue com a música no rádio do carro sendo o único som, Lucas olha para o céu e ver que tudo está acontecendo muito rápido e agradece por isso, pois estava entediado só de pensar na rotina de fingir luto.

- Por que? - pergunta ele.
- O que? - indagam.
- Por que existe isso? Vocês são tipo heróis?
- Bom... Isso é complicado. - diz Fernando.
- Nós meio que tivemos que ser treinados para não acabarmos destruindo a cidade. - diz André.
- Como assim?
- Você sabe que cada um da gente teve um passado bem... Complicado. - diz Daiana. - Isso deixa as pessoas frágeis, principalmente quando carregamos esse tipo de dom. E ele se manifesta quando nossas emoções estavam no ápice.

Vamos contextualizar, okay?
Começando por Anne. Embora tenha vindo de uma família bem de vida, nunca foi como os outros pensam. Nunca teve nada fácil. Seu próprio padrasto a molestava todos os dias. Quando ele morreu, os próprios empregados abusavam dela, psicologicamente e fisicamente. Isso, com menos de 10 anos de idade. Quando sua mãe descobriu, já estava com quase 17 e em uma tentativa de proteger sua filha, acabou sendo mais uma vítima. Ao ver sua mãe sendo violada bem na sua frente, uma grande rajada de ar formou-se ao redor dela, levando toda a casa e matando todos que estavam em volta... Inclusive sua mãe... E todo o quarteirão. Fugiu depois disso, mas João Batista a achou e a levou onde teria oportunidade de dominar a si mesma.

Agora a vez de André... Nunca conheceu seus pais e morou na rua boa parte de sua vida. Colhendo lixo para sobreviver sempre foi sozinho, desde de cedo. Da maneira que achava, sendo roubando ou pedindo moedas nos sinais, sempre fez de tudo para sobreviver. Tendo que dividir as ruas com outros saqueadores e ladrões, aprendeu a lutar por si só e apenas isso. Até que um dia, ao tentar pegar dinheiro de um senhor de idade, acaba recebendo um convite de morar com ele. O homem viu o garoto assustado em sua frente e decide dá a ele uma segunda chance. Aceitando, ele vai morar com o senhor, que morava sozinho. Viúvo e com seu único filho morando longe, André foi sua única companhia por longos dois anos. Até que no seu aniversário de 14 anos, sua casa é invadida e fazem o senhor de refém, dizendo que se o garoto não desse acesso ao cofre, o velho morria. André não pensou duas vezes e fez o que foi pedido, mas eles não cumpriram sua parte do acordo e esfaquearam o senhor em sua frente, com um deles segurando o menino para ver o único homem que acreditou nele, morrer sem que possa fazer nada. Depois disso, saem deixando o cadáver com ele, com ódio em seu coração se despede do seu amigo e vai até o beco onde os ladrões estavam, com as mãos queimando por raiva, faz com que todo a rua fique em chamas, consumindo cada um deles... Olhando para eles pedindo socorro enquanto a lava queimava sobre sua pele. Com isso, fugiu da cidade, sem rumo por três anos... Até ser encontrado por Batista.

Indo para Daiana agora, a pequena criança que cresceu sem pai e com uma mãe extremamente rigorosa. Cobrando sempre perfeição em tudo que fazia, agia e falava. Com postura em tudo que fez, aprendeu a não cair nos jogos psicológicos de sua própria mãe. Que sem saber, era uma forma de treinamento para não se importar com comentários racistas que a acompanhavam por toda sua vida, na escola, na rua e onde ia. Em uma de suas aulas de natação, viu que suas amigas a debochavam e riam por conta da sua cor e do seu cabelo, que era cacheado. Mas não se importou, até que quando anoiteceu, ao terminar as aulas, ficou pra ajudar sua instrutora, que lhe deu as chaves para fechar, pois já era de confiança. Antes de fechar tudo, quis nadar uma ultima vez... Mas, ela não estava sozinha. Suas colegas decidiram pregar uma peça e tamparam a piscina, impedindo-a de sair. Com sua claustrofobia, se assustou e pediu para sair. Mesmo com os pedidos de socorro, as colegas pegam seu celular e vêem que tem fotos intimas dela, que seriam apenas para seu namorado, mas elas decidem botar na página da escola. Os pedidos de socorro param e elas pensam que Daiana havia desmaiado, até que a água da piscina sai de uma vez e nela, Daiana sentada na própria, com a água, prende todas elas em bolhas individuais, vendo-as sufocar lentamente. Pega o celular de uma delas e grava suas mortes e bota na mesma página. Sua mãe aparece e ela se assusta, caindo do que a sustentava e soltando os cadáveres no chão. Pedindo perdão pelo o que fez, sua mãe a cala e diz que sabe quem poderia ajudar... Isso vocês já sabem, Batista chegou e etc.

O último e não menos importante, Fernando. Esse vai ser rápido. Sempre um prodígio nas escolas onde estudava, teve o destaque necessário para não saber o outro lado da moeda. Em uma viagem da escola, até que o ônibus fez uma curva errada e acabou virando no meio da estrada para um desfiladeiro. Minutos antes de cair, ele soltou seu sinto e foi até a saída de emergência e seus colegas ficaram. Sim, ele não se importou com eles. E com um pequeno impulso involuntário que fez ao sair, foi o suficiente para o ônibus cede a queda e nenhum escapa com vida. No início, não sentiu culpa ou algo parecido, até que na homenagem que a escola fez para esses alunos, a mãe de um deles fala com ele e pergunta se pelo menos passou na cabeça dele a dor que cada pai iria sentir com essa perda. Diz que o perdoa, mas ele que nunca irá se perdoar. Com essas palavras na cabeça, começou a tentar entender a dor que cada um estaria passando. Dias com essa ideia, ficava sem dormir pensando que poderia ter feito algo para ajudar... Depois de 7 dias, pega seu carro e vai para o mesmo local do acidente, vai até onde tem os restos do ônibus e tenta imaginar o desespero de cada um deles... Até que começa a chorar e se culpar, pedindo para a natureza fazer ele pagar por isso... O chão começa a tremer e um pouco da serra vai até ele, abrindo os braços e aceitando o seu destino até que um homem lhe pega e os tira dali, dizendo que tem uma outra maneira dele pagar... Sim, é o Batista. Como adivinhou?
É, acho que foi tudo... Voltando...

- Mas eu não tive nenhum tipo de emoção tão forte assim, para acontecer isso. - diz Lucas.
- Tem certeza? - pergunta Daiana.
- Absoluta.

Em algumas horas de viajem, saem da estrada principal e entram em um caminho de terra. Um bloqueio de árvores é visto em frente e onde outras pessoas desviariam, para eles, as árvores abrem caminho.

- Essa é nova. - diz Lucas.
- Seu avô que fez. - diz Anne. - Uma medida de segurança.
- Pra que? - pergunta ele.

Eles se calam até que Daiana diz:


- É um lugar reservado, ele queria mais privacidade.
- Hum. - diz Lucas, um pouco desconfiado dessa resposta.

Em minutos é visto a grande casa, saindo do bosque, agora em céu aberto e espaço livre. Param o carro na frente da casa e descem.

- Podem ir na frente. - diz Fernando. - A gente levas as malas.

Ele e André ficam e tiram a bagagem, enquanto as meninas entram com o Lucas. Abrem a porta e Lucas fica fascinado com o tamanho da casa, que lhe causava uma nostalgia reconfortante. Mas algo chama sua atenção... Indo até a lareira, ver que acima dela tem cinco brasões , em cada um deles um animal. Da esquerda para a direita, são: Uma Águia em amarelo, um Rinoceronte em verde, um Lobo em azul, uma Baleia em branco e uma Raposa em vermelho.

- Que maneiro. - diz ele com um suspiro.
- São os brasões dos guerreiros lendários. - diz uma mulher alta, com os cabelos longos e brancos e a pele escura. - Os ancestrais acreditavam que são os animais guardiões desse lugar. A quanto tempo, pequeno.
- Eu... Conheço a senhora?
- Não lembra-
- Lucas, essa é a minha tia Alexia. - diz Daiana.
- Prazer. - diz ele.
- Claro,,, O prazer é todo meu. - diz ela um pouco confusa.
- Mas enfim, cada meu avô?
- Está na cabana dele. - responde Alexia. - Ele não vem muito aqui.
- Que estranho.

Os meninos entram com as malas, tantas que mal veem seus rostos.

- Eu não trouxe tudo isso. - diz Lucas.
- Sabemos. - diz Anne.
- É que vamos ficar com você. - diz Daiana.
- Que!? Por que? - indaga Lucas.
- É o que os amigos fazem. - diz André.

"É, né? Irônico falarem isso" pensa Lucas.

- Bom, vamos subindo. - diz André.

Ao ver a escada que fica no meio da sala principal, que ligava aos quartos em cima, Fernando solta todas as malas e pega apenas a sua.

- Rapaz, também não de ferro não. - diz ele.

As meninas riem e pegam as suas. Quando todos sobem, Alexia diz para Daiana.

- Ele ainda está com isso?
- Foi escolha dele. - responde ela.
- Mas não é o melhor momento. Questão de tempo até ele ser achado.
- Por isso quero que me ajude a neutralizar.
- Não. - responde Alexia com relutância. - Não vou fazer isso de novo.
- Você é a única que pode fazer isso. - diz Daiana olhando para o cristal no colar dela.
- Isso pode ter consequências terríveis. Qual é o seu medo para ele ter o treinamento?
- Justamente esse... Que ele tenha também.

Quando Lucas chega em seu quarto, põe a mochila na cama e abre a janela, observando a vista e a serra onde fica a cabana de seu avô.

-Não deveria está aqui.

Ele ver quem disse isso e quando se vira, ver na porta do quarto...

- Rackel...?

Mas quando olha com clareza, na verdade é a irmã dela: Rubi. Que era como sua falecida irmã. Puxando a genética ruiva, era como um reflexo mais jovem de Rackel.

- Ah... - diz ele sem jeito. - Oi, Rubi.
- Vai embora.
- Você ainda me culpa.
- Óbvio, a culpa é sua.
- Foi um acidente.
- Claro, você causou.
- Do que você tá falando, garota?
- Não adianta bancar o fingindo.

Jéssica aparece e pergunta o que está acontecendo. Rubi simplesmente vira e sai.

- Me desculpa por ela. Ainda não superou a morte da nossa irmã.
- Fico impressionado toda vez que paro pra pensar nisso. Vocês são tão diferentes.

Jéssica ri e se senta na cama, pega a mochila e ver que ainda tem o broche lhe deu quando se conheceram, que era o símbolo de seu livro favorito.

- Ei, pequeno... Como tá se sentindo?

Lucas se senta ao lado dela e responde:

- Vocês disseram que podem "travar" isso meu, né?
- Sim. Não precisa se preocupar.
- Eu... Ah, eu não sei como reagir com tudo isso.
- Calma. - diz ela apoiando o rosto dele em seu ombro. - Tudo vai ficar bem. Estamos com você.
- Obrigado por estarem comigo dessa vez.
- Você sabe. - diz ela com um sorriso. - Não cometemos o mesmo erro duas vezes. Bom, não sei você, mas tô morrendo de fome.
- Eu também. - responde ele rindo junto.
- Então toma um banho e desce, o almoço logo estará pronto.

Ela levanta, beija sua testa e sai. Quando desce as escadas, ver Daiana, conversando com Alexia e pergunta:

- Então vamos fazer isso mesmo?
- A ultima vez foi falha, ele tá com metade de memória. - responde Alexia.
- Dessa vez vai ser diferente. - diz Daiana.
- Quem garante?
- Eu evolui muito desde que comecei minhas pesquisas sobre esses assuntos de essências. - diz Daiana.
- Então vamos. - diz Jéssica. - É o melhor pra ele.

Com um suspiro, Alexia aceita e seguem para a sala de jantar, onde Rubi estava pondo a mesa, que diz ao vê-los: "É bom ver essa mesa com mais de duas pessoas."
Os meninos descem e se sentam a ao ver Lucas, Rubi muda sua feição rapidamente. Mas antes que ele se sente na mesa, uma cadela da raça Husky Siberiano pula em cima dele, derrubando-o. Aparentemente feliz em vê-lo, lambendo seu rosto repetidas vezes.

- Haha... Calma, garota.

Segundos depois ela sai de cima e fica em sua frente, abanando o rabo intensamente.

- Neve? - pergunta Alexia.

Ao levantar, Lucas ver que tem um recado em sua coleira.

- Eu dei um celular a ele. - continua Alexia. - Sabe, não custava nada mandar torpedo como uma pessoa normal.

Lucas solta uma risada e abre o recado.

- O que diz? - pergunta Anne.
- Tá me chamando para ir lá.
- Vai comer antes. - diz Alexia.

Ele olha seriamente para o papel e diz: "Quando voltar eu como" e corre junto com a Neve para a cabana.

- O João não podia nem esperar o neto dele almoçar!?
- Não culpa ele, tia. - diz Daiana. - Sentem saudades um do outro.

"Pelo menos vai ser uma refeição mais prazeroso" pensa Rubi.
Na floresta, Lucas corre rapidamente e com empolgação, pulando junto com a Neve, nos galhos da árvore que eram grandes o suficiente para correr nas copas delas. Até que em minutos chega na cabana, no meio das árvores, suspensa do chão. Para na porta e bate.